sábado, agosto 02, 2008

tratar o outro como uma pilha de cristais finos. pois o ser humano é um amontoado de traumas.
[fernanda young]


não tenho muitas coisas em comum com a minha mãe no que diz respeito a gostos. se fosse escolha dela eu usaria roupas de patricinha, teria o cabelo bem comprido e sempre escovado, usaria salto e, preferencialmente, queimaria todos os meus pares de all star que estão velhos demais. além disso eu usaria mais vestidos em passeios vespertinos e teria mais medos, não moraria tão longe e nem me cobraria tanto. em sua última visita à minha casa, vendo um programa de tv no qual uma mãe sofria porque seu filho de quase quatro anos ainda usava fraldas, perguntei à minha mãe como foi isso comigo. ela disse que não se lembrava de nenhum processo complicado me envolvendo quando era criança, e arrematou: "você nasceu pronta".


essa minha sede primordial de independência. me lembro que assim que nos mudamos pra pitangui, quando tinha cinco anos, insisti durante horas pra que ela me deixasse lavar o cabelo sozinha. eu já tomava banho sozinha, mas ela ainda lavava meu cabelo - então gigante e cheio de cachinhos - por medo do xampu cair nos meus olhos. finalmente ela deixou, foi um marco pra mim. me lembro até qual era a marca do xampu, um colorama naquelas embalagens ainda sem o design moderno que vemos hoje.


na ânsia por ser eu mesma sempre disse à minha mãe que queria sair de casa [bem antes de casar] e morar sozinha. ela me proibia de falar sobre o assunto, até que realmente me mudei. as minhas fugas sempre foram muito bem fundamentadas; saí de oliveira para fazer faculdade em bh, saí de bh pra fazer mestrado em florianópolis. minha mãe bem sabe, sempre fui uma cdf e não havia como impedir. e ela entende meu gosto pelos estudos. de qualquer forma ela ainda fica pra morrer quando relembra que todos os meus problemas físicos, como alergias e dores, são resultado direto dessa minha agonia toda - essa minha sensação recorrente e que existe desde sempre de que não vai dar tempo.


quando coloquei essa citação da fernanda young nem estava pensando em falar sobre minha mãe. por conta de uma frase que me disseram dias atrás me lembrei dessa fala da young, que eu adotei de uns tempos pra cá. tratar o outro como uma pilha de cristais finos, pra mim faz todo o sentido. acabei falando da minha mãe porque ela é um cristalzinho. só que, ao contrário de mim, ela não se esconde atrás de paredes e fugas. ela é o que é, ela chora, ela lamenta, ela fala quando está triste, ela arma um barraco se precisar. a nossa distância me fez ver que eu sou uma versão mal acabada dela, uma versão cubista, uma versão, quem diria, surpreendentemente mais frágil. talvez, quem sabe, ela seja o que eu quero ser ou o que eu deveria ser. talvez devesse deixar mais evidente a minha condição de cristal fino, condição de quem se encontra totalmente exposta, sem cristaleira, sem vidros protetores, sem nada. e com vento forte soprando ao redor e muitos esbarrões. um amontoado de traumas, no fim.

minha mãe, sempre tão linda.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu sou praticamente aquela árvore de cristal swarovski que se monta no Diamond, no natal.

E, apesar das distâncias, acho que sua mãe é uma felizarda. Com certeza ela sabe disso e você também. Eu também quero ter uma filha que nasça pronta. Tipo você. Orgulho danado!

Liliane Pelegrini disse...

engraçado. tirando a parte do patricinha's way of life, que realmente não tem nada a ver, em vários momentos reconheci a minha mãe. e, em outros, não. elas não são iguais. ainda bem! e a minha faz aniversário hoje, dia 6. ela é tão, tão, tão. apesar de.