segunda-feira, novembro 13, 2006

Escorpião? Cruzes!

Por Alcione Araújo

Se o planeta regente de Escorpião é o desqualificado Plutão, não poderia ser outro o destino dos regidos por um planeta rebaixado

Analfabeto em astrologia, se o tema vem à baila, recolho-me ao silêncio aparvalhado de quem acaba de chegar de outro planeta. A crença na influência dos astros na vida humana exige uma fé da qual não fui dotado e, na minha própria vida, jamais notei vestígios de que os astros me dedicam alguma atenção. Consta, no entanto, que, há milênios, sábios e mestres decifram a silenciosa força dos astros, capaz de determinar, no momento mesmo em que aportei nesse mundo, que eu seria do signo de Escorpião. E que signo, meu Cristo! Signo – qualquer deles –, se não é um destino, é o leito no qual a vida fluirá do nascimento à morte. E se for Escorpião, é preciso ter doses cavalares de esperança e paixão pela vida. Além de ser um aracnídeo horroroso, mal digo a data do meu aniversário, alguém reage: “Escorpião? Cruzes!”, misturando horror e compaixão, fazendo crer que a peçonha do bicho se estende ao signo, a mim e ao meu destino.

Pela circunstância fortuita, aleatória, imprevisível e imponderável de vir ao mundo em certa época do ano e certa hora do dia, meu percurso dependeu menos do legado dos meus pais e das circunstâncias do país, do que da posição dos astros. Em vez da espécie Homo sapiens sapiens, sou confundido com um dos bichos mais venenosos que vivem na terra, da família das aranhas, carrapatos e ácaros. Meu Deus!

Como o escorpião vive na sombra, sob pedras e troncos, tenho sido acusado de – avalie, se a lista esboça algum vestígio humano –: soturno, solitário, misterioso, enigmático, dissimulado, desleal, traiçoeiro, ressentido, cruel, perverso, auto-suficiente, orgulhoso, sedutor, possessivo. Não sei o que fiz antes de nascer para merecer tanto castigo. E já ouvi, na lata: “A aparência calma e tranqüila do escorpiano esconde uma mente que não pára de raciocinar na melhor maneira de conseguir chegar na frente dos concorrentes.” E mais: “Mostre-me um escorpião que saiba perder e eu lhe direi que está louca.” Ai, Cristo, não é sopa viver para quem nasce no dia em que nasci!

Se o planeta regente de Escorpião é o desqualificado Plutão, não poderia ser outro o destino dos regidos por um planeta rebaixado! O elemento é a água – o que podem pretender os escorpianos se seu elemento evapora da face da terra? E com a anunciada desertificação, a água vai sumir de vez. A qualidade do meu signo é fixa – não sei do que se trata, mas intuo que sendo fixa o escorpiano jamais vai melhorar. E a polaridade – ignoro o que seja – é negativa; nem precisava dizer. Na anatomia, somos as genitálias, sempre por baixo. Por fim, nosso mito esclarecedor é Lúcifer! – que Deus me proteja! Fomos condenados, amigos de Escorpião, antes de nascer.

Protagonista das mais horripilantes histórias, dizem que o escorpião colocado no centro de um círculo de fogo, ao sentir-se sem saída, ergue a cauda para frente e desfere no próprio corpo a picada envenenada, num orgulhoso suicídio que se antecipa à morte nas chamas. Pela fatídica parábola, há em mim – e em todos os escorpiões – tamanha maldade instintiva e ódio pelo mundo que, ameaçado, prefiro me matar a dar aos meus assassinos a glória de me tirar a vida. Uma índole saudável, sem dúvida.

Outra lenda diz que o escorpião pede ao sapo que o leve nas costas para atravessar o rio. Sabendo de quem se trata, o sapo se recusa, categórico. O escorpião insiste, o sapo resiste: “Eu te conheço; no meio do rio, você vai me ferroar, mesmo sabendo que morrerá junto comigo.” O escorpião não desiste. Dizem que, hábil com as palavras, sabe seduzir e persuadir com elas. O sapo acaba cedendo. No meio do rio, a esperada ferroada. Debatendo-se, o sapo protesta enquanto se afoga. Resignado com a própria morte, o escorpião se justifica: “É mais forte do que eu.” Se me orientasse pela astrologia, já teria ateado fogo às vestes.

A moça me traz páginas do livro da americana que avalia relacionamentos à luz da astrologia. Sem saber sua intenção, leio o texto típico, leve, ligeiro e divertido: “Se você está apaixonada por um homem de escorpião, largue tudo e saia correndo, sem olhar para trás; e se a sandália sair do pé, não volte para pegá-la.” A moça se diverte, tripudiando do destino do signo maldito. Com tanta desgraça prevista para os escorpianos, a autora deve ter razão em recomendar a fuga. Se nos concedem, como raras virtudes, a sensualidade e o vigor sexual, desconfio que a intenção é nos difamar. De minha parte, me acostumei ao espanto do “escorpião? Cruzes!”


Crônica publicada hoje no Estado de Minas, caderno Em Cultura.

7 comentários:

Anônimo disse...

poxa, mas eu gosto tanto dos meus escorpianos, até quando eles somem da minha caixa de email :oP

Unknown disse...

eu já tinha te falado, num tinha?

ai, ai... escrotinhos!

Bia disse...

Olá, desculpe a indelicadeza de invadir assim o teu espaço, mas é que estou divulgando meus trabalhos artesanais. Quando puder, dê uma passadinha no meu cantinho. Sua visita me deixará muito feliz. Encomendas para qualquer lugar do Brasil.
Uma beijoca bem fofa e bom dia.
Bia

Anônimo disse...

eu leio teu blog
entâo se você pudesse
seria bom que lesse o meu

Raul disse...

Caramba! que texto massa hein Paulinha? Demais! como eu sempre odiei essa história de signos, esse foi só mais um ótimo texto para eu incrementar minha vitrine de argumentos contra a loucura de acreditar e seguir, à risca, as tais dicas diárias para os infelizes signatários. Cada um com sua loucura né?

Anônimo disse...

Ai, eu li esse texto no jornal. Fiquei pensando, como pode os escorpianos serem praticamente a escória do zoodíaco e serem tão legais? Eu gosto de todos que eu conheço, é sério.
(apesar de que ontem eu li uma matéria sobre a Suzane Von Richtofen e descobri q ela tb é de escorpião...rs).
Vou te mandar um email com o horóscopo maldito. Eu me divirto tanto.
Bjos!!

Liliane Pelegrini disse...

É, eu li isso no jornal e fui obrigada a mostrar pro seu gêmeo. Mas você não sabe a minha própria tese sobre escorpianos. Tenho que terminar de escreve-la. Aí te aviso. Beijo!